Quick wins na adoção de software por parte das entidades de economia social

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Pode ser um choque para alguns, mas não vejo que uma organização social seja assim tão diferente de uma organização comercial no que diz respeito às suas necessidades de software e, claro, nos ganhos que pode retirar de uma boa utilização das ferramentas certas.

Há obviamente especificidades mas, como cantava o Rui Veloso, muito mais é o que as une que aquilo que as separa.

Se não, vejamos: é fundamental para ambas conhecerem e comunicarem com os seus clientes (ou públicos), ambas precisam de ter acesso a conhecimento que lhes permita tomar boas decisões, ambas beneficiam em monitorizar o seu desempenho e resultados, ambas podem ter de prestar contas, ambas ganham em harmonizar métodos de trabalho e em potenciar a colaboração entre trabalhadores, e ambas têm claras vantagens em reduzir o tempo gasto em tarefas manuais ou redundantes, entre outras semelhanças.

A grande diferença está entre organizações preparadas para esta transformação e organizações em vias de preparação.

 

Fatores de sucesso na implementação de software

Antes de irmos a alguns ganhos (quase) imediatos que as organizações sociais podem obter, é importante perceber que o software só vai ajudar uma organização que está preparada para ser ajudada.
Assim, este caminho começa bem antes de se começar a utilizar o software e de se começar a ver “gráficos bonitos”.

Compromisso da gestão

Para uma plena adoção do software no médio e longo prazo (claro que o artigo fala de “ganhos rápidos” mas não tenhamos pressa) é fundamental que a liderança esteja verdadeiramente comprometida com esta atitude.

Este compromisso implica ter noção do Total Cost of Ownership (TCO), que não é mais que a combinação dos custos diretos e indiretos que estão implicados nesta adoção. Poderá haver custos de licenciamento ou custos de consultoria, que serão custos financeiros bastante diretos, mas a gestão deve estar preparada e confortável com o tempo que as suas equipas terão de investir em vários momentos desta caminhada, pois tanto a fase de desenvolvimento como a fase de aprendizagem terão a sua exigência.
É também à gestão que cabe, em primeiro lugar, a missão de constantemente fomentar e motivar para a boa adoção destas ferramentas.

Se a liderança não está preparada para assumir estes custos e se não está comprometida com a sua defesa, então talvez este ainda não seja o momento de dar o passo.

Perceber as necessidades e objetivos

Parece óbvio, mas antes de adotar qualquer ferramenta – ou conjunto de ferramentas – interessa perceber as necessidades e objetivos da organização. É nesta fase que a liderança deve envolver os colaboradores, perceber as suas principais dores e preocupações, e recolher contributos. Envolver os futuros utilizadores na fase de desenho da solução a implementar é uma parte importante para garantir que a solução será assertiva e bem acolhida.

Listar os requisitos

Feito o levantamento de necessidades e objetivos, incorporados os contributos e receios revelados pelos futuros utilizadores, é agora tempo de criar uma lista de requisitos. É importante priorizar esses requisitos e, se possível, escrever uma pequena user story desse requisito, descrevendo claramente em que medida é esperado que o software cumpra o requisito.

Escolher o(s) software(s) certo(s)

Só nesta fase faz sentido pensar em que soluções adotar. Para isso, há que definir em primeiro lugar quais serão os critérios de avaliação e seleção da solução. Estes critérios dependem de projeto para projeto, mas há alguns que devem estar sempre neste mix, tais como:

  • a facilidade de utilização e a curva de aprendizagem necessária: será suficientemente simples para ter uma boa aceitação por quem o vai utilizar?
  • a escalabilidade da solução: é capaz de se adaptar à evolução que planeamos para os próximos anos?
  • a necessidade de investimento: que custos tenho em adquirir e manter a solução?
  • a compatibilidade com outras soluções: é compatível ou integrável com outras soluções que utilizo?
  • a existência de manuais de utilização e tutoriais: há literatura (ou outra forma de aprendizagem) disponível para fácil consulta?

Para além de uma ponderação destes critérios, a organização social deve procurar aprender, através de testemunhos ou contacto direto, com os erros e ganhos de outros pares, procurando perceber o que utilizam, o que recomendam e, especialmente, o que desaconselham e porquê (aprender com os erros e más experiências dos outros é consideravelmente mais barato).

Recorrer a especialistas em transformação digital, com experiência no setor, pode ser aconselhável, dependendo da complexidade, risco e investimento do projeto. Muitas soluções de software oferecem preços especiais para organizações sociais, e quase todas oferecem períodos de teste gratuito. Procurem e aproveitem essas vantagens.

Soluções à medida são quase sempre desaconselhadas, pelo que representam em dependência de um fornecedor e de custos futuros com desenvolvimento e manutenção, entre outros perigos. É recomendável procurar soluções SaaS (software as a service) robustas, com provas dadas em casos de uso parecidos com o da organização social e, não é demais sublinhar, com manuais, tutoriais e/ou suporte disponíveis online.

Definir uma boa estratégia de dados

Em alguns projetos – sobretudo em bases de dados complexas que tenham o objetivo de conhecer a realidade de uma população ou de avaliar o impacto de uma intervenção, por exemplo – as ferramentas só funcionarão de acordo com o esperado se houver uma boa estratégia de dados, uma vez que não há bons outputs sem bons inputs.

É fundamental planear o modelo de dados da organização por forma a evitar redundâncias e assoberbamentos, e nunca perdendo de vista o tipo de dados que precisa de analisar e o conhecimento que quer gerar. Deve ser um objetivo manter a estrutura de dados tão ‘magra’ e objetiva quanto possível, tendo em mente que a qualidade da informação não significa normalmente quantidade.

Apostar em formação e promover power users

Os momentos de formação são fundamentais para uma boa adoção das soluções de software. Nem todos os utilizadores terão a mesma aptidão para utilizar ferramentas digitais, por isso é importante respeitar os ritmos de aprendizagem e garantir que todos os utilizadores estão familiarizados com as tarefas que têm de desempenhar. Numa fase inicial, é importante manter um canal de comunicação aberto para esclarecer dúvidas que possam surgir e monitorizar a adoção da solução, certificando que estão todos a bordo.

Outra boa prática é promover power users. São pessoas que têm um conhecimento sólido acerca dos processos da organização e estão especialmente confortáveis com a utilização de ferramentas digitais. Serão eles os campeões designados para a adoção interna da solução, motivando e esclarecendo colegas mais céticos ou menos treinados. Este ponto é tão mais importante quanto maior é a complexidade e relevância da solução no dia a dia da organização. Os power users são um fator crítico de sucesso na implementação de projetos complexos, pelo que, se for o caso, é importante alocar algumas horas do seu horário de trabalho a este tema, permitindo-lhes que se dediquem a estudar a ferramenta e a apoiar outros colegas.

Quando um pouco acima falo de Total Cost of Ownership, é também a este ponto que me refiro. Os momentos de formação e as horas destes power users, devem ser contempladas como um investimento crucial na implementação de algumas soluções.

 

Alguns ganhos rápidos para as organizações sociais

Mas afinal, com tantos fatores a ter em conta para o sucesso da implementação de software, com o risco e o investimento associados, vale a pena entrar nesta caminhada de ‘transformar’ uma organização social?
Sim.

O que pode ganhar com isso?
Depende. Depende da natureza da organização, das suas necessidades e objetivos, dos softwares selecionados, da capacidade de investimento e dos recursos humanos da organização.

No entanto, ficam aqui listados alguns quick wins comuns a quase todas as organizações sociais:

Profissionalizar o fundraising

A verdadeira mudança e impacto social ou ambiental requerem recursos: não é possível mudar o mundo sem ter como pagar por isso.

Se, por exemplo, como as empresas, as organizações sociais precisam dos melhores do seu lado, têm de poder pagar por eles. Uma gestão profissionalizada da angariação de fundos é decisiva para que uma organização consiga a sua sustentabilidade financeira, consiga atrair e reter talento, consiga investir ainda mais em ser conhecida e relevante, e assim melhorar o seu potencial de qualidade de serviço e impacto.

5 ganhos rápidos que resultam de usar software para fundraising:

  • Simplificar processos de doação, por exemplo permitindo meios de pagamento descomplicados como o MBWAY, ou pagamentos recorrentes;
  • Gerir bases de dados de doadores e envolvê-los em campanhas digitais de angariação de fundos;
  • Concentrar no processo do doador todas as interações passadas em diferentes canais de comunicação;
  • Monitorizar a eficiência de campanhas/mensagens de angariação de fundos e dados financeiros de doações;
  • Automatizar comunicações com doadores (pedidos ou agradecimentos, por exemplo).

 

Melhorar a eficiência e o serviço prestado

Todos concordamos que a rapidez de intervenção melhora a eficácia do serviço, e que o erro humano é indesejável no apoio a beneficiários de uma organização social. Contudo, há um limite na velocidade de resposta quando toda a informação sobre os beneficiários de uma organização está dificilmente acessível no momento necessário ou quando, mesmo que acessível, está organizada de forma pouco eficiente numa lógica de análise de dados. Não será também vergonha assumir que o erro humano torna-se inevitável quando a organização mantém todos os seus registos em papel e caneta, em documentos Word ou Excel.

5 ganhos rápidos que resultam de usar software para gestão de utentes e atividades/serviço:

  • Trabalhar numa single source of truth, com uma estrutura de dados harmonizada onde técnicos da mesma organização colaboram;
  • Gerir bases de dados de beneficiários e ter os dados dos seus processos acessíveis num par de cliques, em qualquer hora e em qualquer local;
  • Monitorizar dados estatísticos das características dos beneficiários e das atividades desenvolvidas;
  • Automatizar processos de serviço e de reporte, reduzindo o tempo dispendido em tarefas manuais ou redundantes;
  • Garantir a segurança dos dados e o cumprimento das leis de privacidade (RGPD).

 

Medir outcomes da intervenção e reportar às partes interessadas

Todas as organizações sociais estão obrigadas a reportar acerca das suas contas e atividades. Em cima disso, é relativamente pacífico para a generalidade das organizações sociais atualmente que é necessário monitorizar o ‘impacto’ das intervenções.
É muitas vezes esta demonstração que valida o serviço prestado pelas organizações e legitima campanhas de angariação de fundos, o acesso a investidores sociais ou a candidaturas a financiamentos, e por último, e não menos importante, que motiva os seus voluntários, técnicos e liderança a continuarem envolvidos com o propósito da organização.

5 ganhos rápidos que resultam de usar software para medir e reportar outcomes:

  • Visualizar e analisar os serviços prestados pela organização (outputs);
  • Definir objetivos de outcomes, e perceber o estado do cumprimentos dos objetivos com um clique;
  • Interpretar tendências e a performance das intervenções para tomar decisões baseadas em dados e não em intuição (ex. Oportunidades de inovação);
  • Motivar e avaliar de forma rigorosa voluntários e trabalhadores;
  • Reportar sem esforço a todos os financiadores, através de relatórios parametrizados.

 

Deixo aqui alguns exemplos de quick wins que me parecem bastante tangíveis e relativamente simples de implementar na generalidade das organizações sociais, qualquer que seja a sua natureza. Se por um lado não acredito na possibilidade de haver ganhos sem um compromisso sério das organizações (quick wins não serão necessariamente easy wins), por outro tenho a convicção que esse compromisso se vai materializar em resultados visíveis e em maior eficiência na perseguição do propósito das organizações. Fica assim a minha palavra de encorajamento para que o leitor que lidera uma organização social – ou que quer liderar este processo de mudança – não perca mais tempo.

O caminho não está isento de dificuldades, mas vai seguramente levar a sua organização a um patamar mais elevado.

 

Este artigo foi escrito para a 2ª edição do livro “Visões da Economia Social”, uma iniciativa do Sector 3 – Social Brokers, em parceria com a Fundação Ageas.